Perdas

Perdeu a manhã pensando na tarde. Perdeu a tarde pensando na noite. Perdeu a noite pensando na madrugada. Perdeu o sono, o senso, o desejo, a paz, a alegria, pensando nos compromissos, nas tarefas rotineiras, no mundo que o fritava como se ele fosse um pastel velho e imprestável.
Perdeu a coragem, a energia, a capacidade de rir e trancou-se no quarto como um corpo inútil e desnecessário que não queria ver mais a luz do sol porque se sentia pleno só na escuridão.

O chefe

O chefe sempre deu ordens aos seus empregados por e-mail. Até os assessores mais próximos tinham contato com ele só virtualmente.
Todos sabiam que ele existia. Os funcionários mais antigos se recordam vagamente da sua presença enigmática. Um estagiário, ao limpar uma gaveta, encontrou uma foto de uma criança com um gato no colo, que ele identificou ser do chefe, por uma legenda colocada atrás da mesma. Comentou com um colega e foi demitido sumariamente antes mesmo de ser contratado.
Ontem, a secretária viu um minúsculo homem transitando pelos corredores no começo da noite. Será o chefe? Outros relataram visões semelhantes.
Se o chefe é tão minúsculo, por que todos obedecem às suas ordens? Especula-se que o chefe tem no máximo cinco centímetros de altura. Não mais que isso. Como ninguém consegue provar a estatura do chefe, e todos têm medo de cometer essa indiscrição de afirmar que o homúnculo é ele, a vida continua na empresa como sempre foi. Sem chefe presente. Com chefe ausente, mas com uma presença perturbadora.